
ABC da eleição do Judiciário no México, primeira no mundo

O México se tornará no domingo o primeiro país a eleger todos os seus juízes por voto popular, um exercício que, segundo o governo, limpará uma estrutura de poder corrupta, mas que os críticos veem como um ataque à independência dos poderes.
A eleição é resultado de uma reforma constitucional promovida pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador (2018-2024) e apoiada por sua sucessora e colega de partido, Claudia Sheinbaum.
Ambos os líderes de esquerda denunciam que o Judiciário — que bloqueou vários projetos do ex-presidente — está a serviço das elites e assolado pela corrupção.
A oposição, que pediu que a população não votasse, mas está bastante enfraquecida, e membros do Judiciário apontam que essas eleições abrem caminho para que políticos e criminosos controlem os juízes.
O caso mais semelhante ao do México é a Bolívia, onde os membros dos tribunais superiores são eleitos por voto popular. Alguns estados americanos e suíços também elegem seus juízes locais.
Segue o que está em jogo neste país federado, com uma taxa de impunidade de 94%.
- Quem será eleito? -
Serão eleitos 881 cargos federais — incluindo os nove juízes da Suprema Corte — e 1.800 cargos locais.
Os cargos federais incluem 17 magistrados do Tribunal Eleitoral e cinco do recém-criado Tribunal Disciplinar, que supervisionará a conduta dos juízes e poderá sancioná-los.
Também estão em disputa 386 cargos de juízes distritais, que, em nível federal, julgam casos criminais e conexos, entre outros.
Além disso, serão eleitos 464 juízes de circuito (segunda instância). Os 4.000 juízes restantes serão eleitos em 2027.
- Em que se diferenciam de outras eleições? -
Ao contrário das eleições tradicionais, os partidos políticos não participam dessas eleições, portanto, não podem promover ou apoiar publicamente candidatos.
No entanto, vários postulantes, especialmente à Suprema Corte, foram identificados como alinhados ao partido no poder ou à oposição.
Os candidatos tiveram que pagar por suas próprias campanhas, pois não podiam receber financiamento público ou privado. Muitos recorreram às redes sociais.
A seleção foi realizada por comissões dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Os eleitos cumprirão um mandato de nove anos e poderão concorrer à reeleição. Devem ser advogados, ter média de oito pontos durante o ensino superior, ter "boa reputação" e não ter sido condenados à prisão.
- Por que existe polarização? -
O partido no poder denuncia que o Judiciário está corroído pela impunidade, corrupção e nepotismo, e acusa alguns juízes de favorecerem criminosos de alto perfil.
Segundo dados oficiais, em 2023, os Ministérios Públicos estaduais fizeram 27.957 denúncias por homicídio doloso, mas apenas 16,2% chegaram a um juiz. No mesmo ano, apenas 38% dos processos criminais foram julgados em nível estadual.
A oposição e alguns juristas acusam a eleição de consolidar um "regime autoritário" do partido Morena, que, além do Executivo, controla o Legislativo e a maioria dos governos estaduais.
"Longe de democratizar o país, caminhamos para um governo autoritário", disse o ex-juiz Carlos Soto à AFP.
Os mexicanos "não votarão em pessoas treinadas pela experiência e por rigorosos processos de seleção (...), mas sim em pessoas pré-selecionadas e apoiadas pelo Morena, pelo governo e pelo crime organizado", denunciou a associação JUFED, que representa dezenas de juízes e desembargadores.
A ONG Defensorxs publicou uma lista com cerca de vinte candidatos "de risco", incluindo dois ex-advogados de narcotraficantes e um ex-presidiário por tráfico de drogas para os Estados Unidos.
A Supremo Corte foi uma pedra no sapato do popular López Obrador, bloqueando reformas como a que ampliou a participação estatal no setor energético e outra que envolveu as Forças Armadas na segurança pública.
- Quais outros riscos? -
A JUFED afirma que a eleição coloca em risco os direitos tanto das "minorias" quanto dos atores econômicos, deixando-os à mercê de juízes que poderiam agir por "lealdade" a um partido ou a seus promotores.
A ONG Equis, que atua na defesa de mulheres vítimas de violência de gênero, sustenta que o processo de seleção das candidatos foi insuficiente de "metodologias para avaliar suas habilidades, conhecimentos, histórico e integridade".
"O acesso à justiça será atrasado", pois o sistema judicial ficará paralisado enquanto uma nova Suprema Corte é formada e outros juízes e desembargadores são empossados, alerta Luis Fernando Villanueva, coordenador do Departamento Jurídico da Equis.
L.Sobczak--GL