
Flechas contra tratores: expansão menonita acende disputa na Amazônia peruana

Quando os indígenas surgiram com facões, arcos e flechas, Daniel Braun e outros menonitas fugiram. Eles se esconderam em meio aos cultivos de arroz, antes que seu celeiro terminasse em chamas na devastada Amazônia peruana.
Em Masisea, cidade fronteiriça com o Brasil, aonde se chega depois de horas de navegação pelo rio Ucayali ou por vias ermas que a chuva destrói, este grupo ultrarreligioso protestante não enfrenta apenas a revolta dos nativos.
Aqui, também responde a um processo penal que pode levar à prisão de dezenas de seus membros, acusados de destruir a floresta em sua expansão agrícola pela América do Sul.
Uma das comunidades implicadas no pleito é a de Caimito. Às margens da lagoa Imiría, 780 indígenas shipibo-konibo vivem neste casario de casas de madeira com telhados de zinco ou de shapaja (Attalea phalerata), uma palmeira amazônica conhecida no Brasil como Acuri.
"Os menonitas estão fazendo chácaras dentro do território comunitário (...) Sempre desmatam. O que eles fazem é um crime ambiental", afirma o líder shipibo Abner Ancón, de 54 anos, em conversa com a AFP.
Em Caimito são chamados de "cupins da floresta".
- "Falta de terreno" -
Os menonitas - cuja origem remonta à Europa do século XVI - ergueram cinco colônias prósperas desde que chegaram à Amazônia peruana, há quase uma década.
Em 2016, deixaram a Bolívia rumo a Masisea, onde adquiriram grandes extensões de terra para a criação de gado e o cultivo e o comércio de arroz e soja.
A "falta de terreno" e a "esquerda radical" nos pressionaram a migrar, resume David Klassen, de 45 anos, um dos líderes da colônia, enquanto alimenta os porcos de sua fazenda.
Hoje, os menonitas formam um enclave de 63 famílias, que vivem sob gestão própria em 3.200 hectares em casas iguais de cor cinza-claro. Usam tratores tanto para o trabalho diário quanto para se locomover.
São autossuficientes, opõem-se à miscigenação, não usam energia elétrica e se abastecem com geradores a combustível.
Mal falam espanhol e entre si se comunicam em alemão, na língua germânica de seus antepassados. Também usam trajes tradicionais: vestidos longos e véus para as mulheres; camisa xadrez, suspensórios e boné ou chapéus de aba larga para os homens.
Na América Latina, os menonitas formaram pouco mais de 200 colônias agrícolas desde o começo do século XX.
Estabeleceram-se na Argentina, Belize, Colômbia, México e agora no Peru, segundo uma pesquisa do acadêmico belga Yann le Polain. São denunciados por desmatamento em vários destes países.
- "Puseram fogo" -
No Peru, o pleito saltou para os campos. Em 19 de julho de 2024, Daniel Braun estava sentado na entrada de um celeiro junto com outros homens da colônia, quando os shipibos-konibo de Caimito chegaram.
"Entraram com flechas, facões (...) E dizem: têm uma ou duas horas para sair", lembra. "Puseram fogo", acrescenta este menonita de 39 anos, mãos calejadas e sorriso fácil. Por fim, fugiram.
Até hoje é possível ver telhados de zinco enferrujados jogados na mata e as estruturas carbonizadas de um galpão e um celeiro.
O líder Ancón garante que a guarda indígena tirou os menonitas do seu território "sem violência".
- Líderes denunciados -
Em 2024, o Ministério Público ambiental denunciou 44 chefes de família menonitas pela destruição de 894 hectares de floresta primária e pede entre oito e dez anos de prisão para cada um, segundo o auto de acusação.
Eles compraram legalmente terras "já desmatadas na floresta", que estão fora do território indígena, alega seu advogado, Carlos Sifuentes.
"Gostamos no campo" e não "queremos destruir tudo", afirma Klassen.
Mas a defesa dos Shipibo-Konibo garante que os estrangeiros contratam outros que tiram as ervas daninhas para depois entrar "com seus tratores para nivelar tudo", assinala a advogada Linda Vigo.
Segundo o programa independente de Monitoramento da Amazônia Andina, os menonitas destruíram pelo menos 8.660 hectares desde 2017.
De acordo com as autoridades, trata-se apenas de uma ínfima parte dos três milhões de hectares de floresta amazônica perdidos no Peru nas últimas três décadas, principalmente por queimadas, desmatamento e garimpo ilegal.
- Contraste -
Longe da colônia menonita, um oásis de prosperidade na empobrecida Amazônia peruana, a comunidade de Caimito, de maioria evangélica, sobrevive da pesca e da agricultura.
Não têm nem eletricidade, nem água potável. Há apenas um comércio de víveres com painéis solares e internet.
Seu território abrange 4.824 hectares e pouco menos de 600 foram "invadidos" pelos menonitas, calcula Ancón.
O modelo de produção agrícola dos menonitas vai de encontro "às expectativas ecologistas". Mas o certo é que em Masisea os colonos compraram de colonos mestiços terras que "já estavam depredadas", observa o especialista em povos indígenas Pedro Favaron, da Pontifícia Universidade Católica do Peru.
Por enquanto, na colônia aguardam o que seria seu primeiro julgamento ambiental na América Latina.
B.Ziolkowski--GL